Campanha San Pedro de Alcantara 1998


Os objectivos da campanha de Verão no sítio submarino do San Pedro de Alcantara foram definidos em Março de 1998 num projecto apresentado ao Instituto Português de Arqueologia para a parte dita "conclusiva" da experiência arqueológica em curso no sítio submarino de Peniche.

Esses objectivos, para a campanha submarina do Verão 1998 eram os seguintes:

  1. Completar a topografia submarina extensiva do sítio, na linha iniciada em 1996 e desenvolvida em 1997.
  2. Posicionar, na rede topográfica actual, os marcos metálicos (spits) cravados na rocha-mãe durante a primeira campanha,a de 1988. Esta tarefa destinava-se a poder integrar no estudo de dispersão geral em curso a totalidade dos artefactos posicionados e inventariados em 1988.
  3. Redefinir, em coordenadas absolutas,as posições dos marcos metálicos (spits) instalados no sitio submarino desde 1996 e posicionados desde então -em coordenadas relativas-
  4. Lançar as bases metodológicas definitivas da base de dados destinada a servir de ferramenta ao estudo de dispersão em preparação.
  5. Averiguar a natureza de um achado enigmático assinalado no final da campanha do ano anterior por um dos mais antigos mergulhadores do projecto, Luis Falcão da Fonseca, participante da campanha submarina de 1988 e de todas as campanhas posteriores nos sitios do San Pedro de Alcantara.

O essencial dessas tarefas desenrolou-se nos meses de Julho e Agosto.

Arranque na Escola do Filtro de Peniche de Cima :

O período do Verão 98 foi iniciado em 19 de Junho com uma sessão de dinamização junto dos alunos da Escola nº2 de Peniche, local onde as campanhas San Pedro de Alcantara tem sido alojadas até a data. Organizada com as professoras da referida Escola, a sessão teve por finalidade informar os jovens alunos (menos de 10 anos) sobre as actividades da sua escola...no período de Verão. Foi para a ocasião recriado, em condições lúdicas, uma "escavação" arqueológica terrestre, com quadrícula e pinceis. 

O objectivo era escavar – por camadas – o conteúdo de dois baldes de areia onde foram escondidos peças de LEGO e canetas de plástico. Cada objecto localizado era "posicionado" no quadro onde estava desenhada a quadrícula. A sessão,que compreendia a projecção de diapositivos, terminou com os alunos em fila indiana,de boca aberta para respirar, o tempo de um ou dois golos, pelo bocal de um regulador de mergulho ligado a uma garrafa. Tema da experiência: debaixo de água, a arqueologia pratica-se como em terra, trata-se de posicionar artefactos. Com uma diferença: debaixo de água,o homem não consegue respirar. Daí a garrafa de ar comprimido.

Apoios :

O subsídio de escavação atribuido pelo Instituto Portuguêss de Arqueologia foi completado pelo empréstimo de uma embarcação pneumática ,o bote Argos, com 6 metros de comprimento e dois motores de 75 cv cada um que o mergulhador e colaborador do CNANS Miguel Aleluia conduziu até Peniche, participando na primeira saída com o barco até ao local das escavações. Diversos equipamentos entre os quais garrafas de mergulho e um pequeno compressor de alta-pressão foram ainda cedidos pelo CNANS(IPA) para a duração da campanha.

A Câmara Municipal de Peniche voltou a apoiar os trabalhos em torno do San Pedro de Alcantara, facilitando o transporte de diversos equipamentos e o acesso á cantina dos funcionários.

O Clube Naval de Peniche disponibilizou o local onde os equipamentos se encontram arrecadados assim como a instalação do nosso velho compressor Poseidon de 12m3/hora que funcionou até ao final do mês de Agosto, momento em que o segundo andar acabou por ter uma avaria.

Além dos participantes , mergulhadores ou não, a campanha beneficiou em todo o Verão da participação de jovens do programa OTL do Instituto da Juventude destacados pela Associação Juvenil de Peniche como no ano anterior.

A Escola dos Sargentos do Exército de Caldas da Rainha voltou a disponibilizar o material de dormida instalado na Escola do Filtro, como praticado desde 1986 nas diversas campanhas SPA ("terra" ou "mar" )

Uma balança de precisão ( 1/100 gr.) oferecida pela SOQUIMICA de Lisboa permitiu a pesagem de precisão da totalidade do espólio arqueológico inventariado , nomeadamente para a concretização do "protótipo" de base de dados concebido para o estudo de dispersão do sítio submarino.

Agradecemos a colaboração de Luís Fonseca, médico no Hospital de Peniche,e da Administração desse Hospital, para as radiografias de concreções realizadas este Verão a pedido de André Lorin, técnico de conservação e perito nos temas relacionados com os tratamentos de peças provenientes de sítios arqueológicos submarinos.

Agradecemos ainda os especiais cuidados do Sr José Augusto e de Carlos Costa,do Clube Naval de Peniche assim como de Luís Chagas, representante de motonáutica em Peniche, e de João Carlos Raimundo, mergulhador profissional em Peniche e dono da loja "Mergulhão".

Trabalhos submarinos :WEB

1 - Numa chamada telefónica efectuada durante o inverno 97/98, Nick Rule, autor do software WEB utilizado para o tratamento dos dados da triangulação submarina, alertou para a existência de um "cluster" de pontos de referência isolados na parte Norte do sítio investigado.

Esta situação levou a implantar novos spits, com a técnica desenvolvida nas campanhas anteriores ( buchas expansivas de aço inox protegidas por ânodos de zinco ; os furos efectuam-se na rocha-mãe com um berbequim pneumático modificado para o uso submarino).

Diversos spits novos foram instalados em previsão de uma prospecção electro-magnética prevista para o Verão de 1998 e que teve lugar graças a colaboração de André Lorin.

Nesta fase,o sítio submarino do San Pedro de Alcantara,com um comprimento superior a 200 metros,está "coberto" por 82 spits, permitindo a cartografia da zona com um erro residual de cerca de 20 cm na fase actual.

2 - Os "spits" cravados na rocha-mãe durante a campanha SPA de 1988 tinham sido redescobertos em diversas ocasiões desde o recomeço dos trabalhos submarinos em Setembro de 1996. Em Setembro de 1994, Nick Rule tinha,na base da triangulação efectuada em 1988,estabelecido o primeiro tratamento dos dados e a primeira carta do sítio. A tarefa de localizar os "spits" de 1988 que restam a descobrir incumbiu a um dos mergulhadores da campanha de 1998,François Fresneau, já com experiencia neste domínio desde o Verão anterior. Uma vez posicionados em relação à rede topográfica "moderna",os spits de 1988 permitiram integrar no estudo de dispersão em curso a totalidade dos mais de três mil objectos ou fragmentos inventariados em 1988.

3 - Após concretização da primeira parte da topografia submarina tridimensional,no final do Verão de 1997, uma breve intervenção, após tentativas falhadas anteriores, permitiu ao antigo mergulhador da Armada e topógrafo Fernando Justino, da firma Altimétrica, posicionar cerca de duas dezenas de spits aparentes na maré vazia de forte amplitude de 16 de Novembro de 1997.

O levantamento que dai resultou, efectuado com um só teodolito electróonico, permitiu posicionar os mesmos spits "submarinos" desta vez com coordenadas absolutas utilisadas na geodesia portuguesa (Elipsóide de Hayford). Aproveitando a campanha SPA98 e a presença na Escola do Filtro sede da campanha de diversos computadores emprestados , num caso, pela Inforjovem de Leiria, noutros casos por Helder Martins, de Caldas da Rainha, uma mergulhadora da campanha SPA de 1997, a Engº. Rita Ferreira, não mergulhou desta vez e transformou as coordenadas relativas da rede topográfica submarina em coordenadas absolutas. Este passo essencial permite doravante integrar TODOS os artefactos do sitio do naufrágio no estudo de dispersão efectuado não de maneira "flutuante" (coordenadas relativas) mas sim em função do mapa da costa vizinha, não existindo até à data nenhum mapa hidrográfico publicado da zona que tivesse a precisão necessária à experiência em curso de desenvolvimento.

4 - Em paralelo ao trabalho de Rita Ferreira, um epigrafista francês técnico de bases de dados, Stéphane Gautron, veio a Peniche para investigar a nosso pedido uma série de ferramentas informáticas previamente testadas mas a título provisório . Entre essas ferramentas disponíveis em Peniche no decurso do Verão 1998 figuravam três pacotes desoftware de tipo SIG ou semelhante, um dos quais ( IDRISI 2.0 para Windows) instalado desde o ano passado na Escola Segundária de Peniche e um outro (MapInfo) num gabinete de arquitectura ligado à Câmara Municipal de Peniche, um dos apoiantes de longa data do nosso projecto de investigação.

Entre os requisitos essenciais apresentados a S.Gautron figurava a questão da retro-compatibilidade da totalidade dos ficheiros-padrões da base de dados em preparção. Concretamente, isso passava por uma implementação en formato "básico" de tipo WK1 ( Lotus 123, versão 2.0 para DOS )de toda a informação arqueológica recolhida, fosse ela de campo ( topografia) ou de laboratório ( descripção dos artefactos, inventariação).

Enquanto outro membro da campanha 98 ( Luis Rodrigues) se dedicava à tarefa de uniformizar a nomenclatura dos atributos dos ficheiros WK1 estabelecidos em 1997 para os artefactos das campanhas anteriores, em previsão do futuro estudo de dispersão "generalizado", foi estabelecido para S.Gautron um objectivo limitado mas operacional : a realização de um micro-protótipo construido em torno de uma centena de peças, escolhidas entre o espólio da campanha de 1997.

Este protótipo foi a ocasião de testar uma "grelha descriptiva" elaborada no Inverno anterior e que se destina à implementação -futura- de diversas análises de tipo multivariado em torno da dispersão dos achados submarinos e da relação-ou não- com o acidente inicial.

Apos diversos ensaios com IDRISI e TNTMips, dois poderosos software de tipo SIG que se revelaram difíceis de abordar numa fase exploratória,o protótipo foi implementado por S.Gautron no software MapInfo, versão simplificada de GIS a qual o departamento de pré-história da universidade de Sydney tem dedicado um manual vocacionado para a arqueologia.

O protótipo desenvolvido por S.Gautron foi posteriormente sobreposto a um "raster" da cartografa da costa norte de Peniche a escala 1:1000 graças a colaboração do arquitecto Ricardo Correia, do GTL de Peniche, que agradecemos aqui.

As condições estao doravante reunidas para avançar para a última parte da experiência, que consiste em estender a totalidade dos artefactos encontrados no sítio submarino do San Pedro de Alcantara a grelha descriptiva e o estudo de dispersão experimentados do protótipo de 100 peças desenvolvido durante o Verão, em previsão da análise de dados final,a prever a partir do final de 1999.

5 - Acabou-se um fantasma : madeira em Q5.

No final da campanha do ano passado, num dia de agua clara, Luis Falcão decidiu dar uma volta por fora da quadrícula então em curso de escavação. Luís ‚ dos raros mergulhadores que conheceram a campanha de 1988, campanha que durou três meses e durante a qual foi possivel escavar três quadrículas diferentes, ou seja cerca de 27m2, numa área que não parou de fornecer destroços de madeira, ínfimos restos do grande navio despedaçado ali na noite de 2 de Fevereiro de 1786.

Ao ver uma pequena cova entre dois pedregulhos, Luís decidiu -… tout hasard- escavar com a mão a superfície do sedimento. Era cascalho, areião, pedrinhas. O que Luís viu após uns minutos de escavação foi madeira escura, esponjosa, cuja cor lembrou-lhe os achados anteriores.Voltou a enterrar o conjunto, não sem ter ficado surpreendido pelo volume de madeira encontrado: nunca até à data ninguém das campanhas arqueológicas submarinas tinha visto madeira associada ao naufrágio do San Pedro de Alcantara cujo volume passasse de uma caixa de fósforo, de cigarros no melhor dos casos. Desta vez, Luís tinha visto uma trave, ou algo parecido. Dois pequenos pedaços de madeira comida pelo teredo foram inventoriados naquela ocasião, não sem terem préviamente sido posicionados com cuidado.

Um ano depois, no início da campanha 1998, o achado de Luis Falcão foi o ponto de partida da escavação prevista para aquele Verão, ficando estabelecido que enquanto decorria o estudo "extensivo" da zona de dispersão, uma escavação por quadrícula iria ajudar a melhor definir aquilo que,desde o Verão de 1988, foi definido como zona de impacto.

Apesar da má visibilidade reinando nos primeiros dias da campanha,a triangulação apontou para uma zona onde a quadrícula foi montada. A remoção das primeiras camadas de areião e pedras pôs em evidência a presença de diversas peças de madeira fragmentadas.

Entre essas peças destacava-se um fragmento de tabuado, provavelmente do costado exterior do navio como o sugerem algumas marcas de pregos de pequena secção (alguns mm.) repartidos de maneira sensivelmente homogénea numa das faces.

A parte superior desta face encontrava-se em large medida comida pelo teredo devido a um período anterior de exposição fora dos sedimentos.

Esta peça foi levantada em 6 de Agosto e recebeu o número de inventário 4214.

Para a sua remoção foi fabricada uma "maca" que permitiu o transporte da peça até àcosta ( ver fotografias e desenhos de pormenor).

A escavação ulterior revelou outras peças de madeira, sempre fragmentadas. Numa ocorrência, em 6 de Agosto, um bloco de pedra que se encontrava na face ocidental da quadrícula junto a uma peça de madeira em curso de escavação abateu , cobrindo a peça de madeira anterior. O episódio revelou a fragilidade da estrutura dos rochedos visíveis na zona, apesar da aparente homogeneidade de alguns. Por razões de segurança, os rochedos na zona de escavação passaram a ser escorados com apoios metálicos.

Além dos aspectos de segurança,a fragmentação dos rochedos levanta questões de geomorfologia directamente relevantes para a análise da distribuição dos materiais arqueológicos na zona.

Logística :

Em paralelo com as diversas tarefas em curso durante a campanha, a montagem da Tirolesa foi realizada numa primeira etapa sob a direcção de Fernando Moreira dos Santos, até 15 de Julho, sem que o mar tivesse permitido entretanto a instalação da parte submarina do cabo de aço da Tirolesa.

A instalação foi a partir desse momento assegurada por Helder Martins e Elizabete da Costa, verificando-se uma menor tensão do cabo em relação ao ano anterior, situação que Fernando Moreira interpretou como favorável à segurança (presença de cantenária).

O alador hidráulico previsto para a campanha ficou disponível no princípio de Agosto, tendo sido testado em diversas configurações que confirmaram a eficácia do dispositivo tanto para o transporte de equipamento como de homens até à água ou desde o mar até ao topo da falésia.

O bote "Argos" permitiu aceder ao sítio submarino em dias em que a saida desde a costa não era praticável, condições que se verificam em Peniche em épocas de nortada reforçada ( anticiclone no Atlântico Norte). Uma série de pequenas avarias após seis saídas foi a ocasião de testar os talentos diversos presentes na equipa, tendo o bote sido tirado de água e levado até à Escola do Filtro para uma vistoria mais apurada. O bote voltou a funcionar na última parte da campanha.

O local de armazenamento dos equipamentos no Clube Naval de Peniche também sofreu diversas alterações, sob a orientação do veterano Noel Rousset e de diversos membros da equipa entre os quais os jovens participantes do programa OTL da Associação Juvenil de Peniche. Foi dado o nome pomposo de "Versailles" …às estantes de madeira onde os equipamentos se encontram doravante arrumados, acabando com os improvisos anteriores.

A presença entre nós de André Lorin foi a ocasião de uma pequena apresentação por este investigador da questão das concreções, com exemplificação em torno de algumas peças retiradas da água para o efeito. Num caso, a concreção revelou conter um projéctil de tipo grape-shot (em inglês; grappe de raisin em francês), peça complexa constituída por pequenas balas esféricas de ferro num envolucre de têxtil. Trata-se de um projectil de fragmentação utilisado no lugar de uma bala de canhão tradicional cuja natureza compósita torna os processos de conservação particularmente delicados.

Entre os numerosos participantes da campanha para tarefas que iam desde o mergulho a inventariação, alimentação, fotografia, mecânica, carpintaria, cartografia digital, tratamentos químicos, renovação dos banhos de água doce dos artefactos, reparação dos equipamentos de mergulho, programação de base de dados, teste de software, medições para calibrar protótipos de instrumentos de topografia submarina, figuraram, por ordem alfabética, e sem pretensão a exaustividade, tendo uns estado connosco umas horas, outros varias semanas, figuram:

Miguel Aragon Fontenla, Jean-Yves Blot, Maria Luisa Pinheiro Blot, Paulo Cardoso,Luis Falcão da Fonseca, Diogo Faria de Oliveira , Rita Ferreira , François Fresneau , João Galveia , Alejandro Gandul Hervas , Stéphane Gautron , José Maria Jaime , Juan ( cineasta espanhol ) , André Lorin , Erik Lorin , Nuno Madeira , Cristina Malagelada , Federico Malagelada , Carla Maricato , Paulo ( Maricato ?) , Helder Martins , Alexandre Metz , Guilherme Neves , Vasco Pires , Luis Ribeiro , Luis Rodrigues , Noel Rousset , António Manuel Santos Bandara , Solange Turlin , João Pedro Vaz


Textos San Pedro de Alcantara

Projet San Pedro de Alcantara, Copyright © Jean-Yves Blot, Peniche, Portugal. 
Conception: Francisco Oliveira , Ocidente - Centro de Estudos de História e Etnografia Marítimas. Rev apr '10


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